FILME REMEMORA O PRIMEIRO ASSALTO AO TREM PAGADOR
Cineasta espera repetir o sucesso de Memorável Trem de Ferro em produção catarinense que tem participação especial de filho de Almir Sater.
Por: Cleide Fátima – Especial São Paulo – SP
Um docudrama; essa é o formato escolhido pelo cineasta Ernoy Mattiello para recriar o cenário do primeiro atentado contra um trem pagador na América Latina. A técnica de encenar fatos reais é, segundo o diretor, a alternativa encontrada para contar com realismo o episódio ocorrido em Pinheiro Preto (SC), em Outubro de 1909.
Emergente na cinematografia, o produtor que ganhou projeção com o documentário que resgata a história da ferrovia São Paulo – Rio Grande, aposta em uma obra de baixo custo, com um enredo instigante para dar visibilidade ao interior catarinense.
"É preciso muita criatividade e feeling apurado", afirma o diretor, "quando se deseja uma produção de qualidade com verbas reduzidas". Por essa razão além da captação de cenas em película digital, trilha sonora de alto padrão é outro ponto fundamental do projeto. Tom musical que a equipe busca na sonoridade de Gabriel Sater. Cantor, compositor e instrumentista conhecido do meio artístico, o filho do consagrado sertanejo Almir Sater, promete fazer bonito na produção com locações marcadas para a primeira semana de Julho nas cidades catarinenses de Pinheiro Preto e Piratuba.
Talento que pela primeira vez deve transcender a música e ganhar a tela, e em se tratando de novas faces na produção, Gabriel não é o único a experimentar a sensação de atuar: para viver o papel de Zeca Vacariano, assaltante ora vilão, ora mocinho, o radialista gauchesco, Tchê Mendes entra em ação. A escolha pelo locutor está relacionada ao fato de que o docudrama é narrado na primeira pessoa, e em sua maior parte em of. Sem abusar de digressões, a produção é contada em uma linha temporal, aportada por entrevistas de historiadores.
Entre divergências dos contos populares e a oficialização dos fatos, a história que se revive, conta que no domingo, 24 de outubro de 1909, na Região do Contestado – SC – Brasil, local onde mais tarde se originaria o município de Pinheiro Preto, José Antônio de Oliveira, um ex-combatente da Revolução Federalista, então empreiteiro, construtor da Ferrovia do Contestado, entraria para a história como: Executor do 1 º Assalto ao Trem Pagador.
A audácia de Zeca Vaccariano antecedeu outros dois assaltos a trens que ficariam famosos pelo cinema. Em 1960, seis assaltantes levaram 27 milhões de cruzeiros do carro pagador da Central do Brasil. Mas o título de ladrão do século estava destinado a Ronald Biggs. Em agosto de 1963 o britânico causou pânico na Escócia ao roubar 2,6 milhões de libras. A arte cinematográfica rendeu fama aos vilões, mas a fábula de Zeca Vacariano, o precursor dos assaltos a trens pagadores com o passar dos anos se perdeu no tempo.
A história de um saque record: 375:300$000 (trezentos e setenta e cinco contos e trezentos réis), montante que na época representava cerca de 15% da arrecadação anual do tesouro do estado, é considerada a maior quantia já levada em um assalto no mundo. Uma verdadeira fábula que sai do esquecimento para ganhar vida em um documentário brasileiro.
A produção prevista para ser lançada do segundo semestre de 2012, tem como principal patrocinadora a Prefeitura de Pinheiro Preto, (SC), além de apoio institucional da Prefeitura da cidade de Piratuba (SC) ABPF – Associação Brasileira de Preservação Ferroviária, e Hotel Kirst além de várias outras empresas privadas.
CONHEÇA A HISTÓRIA DO ASSALTO AO TREM PAGADOR
Essa história começa em 1887, quando o governo imperial solicita o projeto de uma ferrovia de interligação entre Itararé (SP) a Santa Maria (RS). Ao longo do tempo o traçado começa a ganhar forma através de várias concessões de trechos e empresas.
Em 1908, a administração da obra é transferida ao norte americano Percival Farquhar, detentor da holding Brazil Railway Company. Esse por sua vez passa a fracionar a obra, entregando trechos da construção a empreiteiros locais.
Para executar a laboriosa e desafiadora tarefa, Farquhar recruta mais de 8.000 trabalhadores braçais vindo de São Paulo, Rio de Janeiro, do Nordeste e também do exterior e dentre estes trabalhadores estão estivadores e ex-detentos. A responsabilidade de pagamento destes trabalhadores, a partir deste momento, passa a ser dos empreiteiros.
Entre os empreiteiros está José Antonio de Oliveira, conhecido pelo codinome: Zeca Vacariano. O lendário homem que entraria para a história como um assaltante sanguinário, possui um armazém na localidade que mais tarde será a cidade de Pinheiro Preto. Vacariano contrata dois trechos de trilho e ao término das etapas, alega não ter dinheiro para honrar os salários de seus trabalhadores. Entre rumores de má administração de recursos e falta de pagamento por parte da holding contratante, centenas de operários ficam a mercê da própria sorte.
Com a pressão para os acertos com os trabalhadores e tendo conhecimento da forma como a companhia executa o pagamento dos demais empreiteiros, o empreiteiro arquiteta o que é considerado o primeiro registro mundial, de um assalto a um trem pagador. De armas em mãos, juntamente com alguns comparsas, Vacariano fica de tocaia em frente ao seu armazém, aguardando a comitiva pagadora formada pelo responsável da companhia, Henrique Jorge Baroni, o engenheiro Ernesto Kayser e os seguranças Lino Ferreira, Menezes e Guilherme.
O trem pagador avançaria pela ferrovia em direção ao Vale do rio do Peixe, onde mais tarde o malote com o pagamento dos empreiteiros, no valor de 375:300$000 (trezentos e setenta e cinco contos e trezentos réis – montante que na época representava aproximadamente 15% da arrecadação anual do tesouro do estado), seguiria no lombo de mulas, já que grande parte do trecho ainda não estava liberado para a passagem das máquinas.
Na manhã do dia 24 de outubro de 1909, quando a comitiva passava em frente do armazém de Zeca Vacariano, no então km 152 da estrada EFSPRG (Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande), atual km 208 do trecho União da Vitória-rio Uruguai, sofre a emboscada. Ao final do tiroteio os três seguranças estavam mortos e o administrador, Jorge Baroni, ferido; Kaiser conseguiu fugir ileso. Ao se apoderar do dinheiro, Zeca e seu bando, com mais de jagunços, se embrenharam na espessa mata que cobria a região.
Chegaram a ser perseguidos por alguns dias pela força policial formada por tropas federais e estaduais. Entretanto apenas uma prisão teria ocorrido durante as investigações e mesmo assim o acusado teria sido solto por falta de provas.
Zeca Vacariano terminaria seus dias as margens do rio Uruguai, na comunidade que mais tarde daria origem ao município catarinense de Mondaí, que na língua indígena, Mondahy, significa rio de ladrões. Na década de 30, por ocasião da passagem da Coluna Prestes, Vacariano teria sumido misteriosamente, deixando para trás além da cruz que monumentaliza as vítimas que perderam a vida no assalto, apenas os segredos de uma bem sucedida ação criminosa que até hoje permanece cercada de dúvidas e misticismo.